quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Geraldo Espíndola, o Menestrel Pantaneiro

Rodrigo Teixeira
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Rodrigo Teixeira · Campo Grande, MS
22/8/2006 · 152 · 24
 
Compositor símbolo do Centro-Oeste, ele fala 'porta' com sotaque típico, tem discurso ecológico e, com sua alma hippie, avisa: "A arte de Campo Grande, Cuiabá e Goiânia ainda será descoberta"

Geraldo Espíndola é o compositor símbolo do Centro-Oeste brasileiro. Ele fala 'porta' e 'porteira' com o sotaque típico do povo que nasceu nestas bandas do Brasil de dentro. Não gosta de cidade grande, sustenta um afinado discurso ecológico e tem um jeito carinhoso que cativa todo mundo. O modo geraldiano de compor, aliás, mudou o rumo da música feita nestes confins do Brasil e fundou uma linha na MPB que até hoje não foi analisada devidamente. Geraldo prefere criar e se esquiva de uma auto-análise. Mantém a essência hippie do paz e amor e segue firme na missão de menestrel pantaneiro. “A arte de Campo Grande, Cuiabá e Goiânia ainda será descoberta. Vai chegar o momento do Centro-Oeste”, prevê com sua voz gravíssima.

Com centenas de composições, convive sem conflito com o fato de a maioria dos artistas de fora de Mato Grosso do Sul pedir sempre a mesma música para gravar: Vida Cigana. Canção feita para a esposa na década de 70, Vida Cigana se transformou em sucesso de rodinhas de violão e repertório obrigatório de barzinhos antes de cair nas graças de artistas populares, como José Augusto e Gian & Giovani. O grupo Raça Negra fez uma versão pagode para a música e vendeu um milhão de cópias. A balada de letra romântica e harmonia simples já conta com mais de 60 regravações e não reflete a obra de Geraldo, cheia de melodias densas, harmonias sofisticadas e letras inspiradas. “Toco quantas vezes me pedirem Vida Cigana. Não tenho bode nenhum quanto a isso”, ameniza Geraldo.

A maior intérprete do compositor campo-grandense é sem dúvida a irmã Tetê Espíndola. Ela gravou pela primeira vez Vida Cigana em seu disco Piraritã, de 1980, e mergulhou no universo geraldiano, registrando pérolas como É Necessário, Vôos Claros, Rosa em Pedra Dura, Quyquyho, Vento da Noite, Deixei Meu Matão, Lava de Blues... Tetê e Geraldo foram muito influenciados pelo mais velho dos irmãos Espíndola, Humberto, o artista plástico conhecido como O Pintor do Boi. Incentivado pelo irmão, de quem pegava letras para fazer as primeiras músicas, Geraldo praticamente fundou a cena roqueira de Campo Grande no final da década de 60. Criou o histórico grupo Bizarros, Fetos e Pára-quedistas de Alfa Centauro com seu amigo Paulo Simões e outros companheiros. Com isso, influenciou toda uma geração de músicos da pacata Campo Grande.

Geraldo também é personagem de muitas histórias. Na década de 70, quando morava no Rio de Janeiro e cantava no grupo Lodo, apareceu careca para a surpresa da maioria esmagadora de cabeludos. “Comecei a minha carreira assim no Rio. Totalmente sem cabelo e tocando craviola de 12 cordas no tempo áureo dos cabeludos e da guitarra elétrica”, lembra. Alguns anos depois, quando fundou o Lírio Selvagem com os irmãos Tetê, Alzira e Celito acabou finalmente tendo suas composições registradas em disco. Metade do repertório do LP Tetê e O Lírio Selvagem lançado pela Philips/Polygram em 1978 é de Geraldo, que só então começou a ser divulgado nacionalmente. Suas músicas já tinham forte apelo ecológico. No clipe da música Bem-te-vi, produzido pelo Fantástico, os quatro irmãos aparecem com collants imitando bichos do Pantanal, pintados pelo artista plástico cuiabano João Sebastião da Costa. Os mesmos que eles vestem na capa do disco do grupo.

A poesia de Geraldo retrata o olhar universal do homem pantaneiro, transformando a sua obra em um verdadeiro manifesto pró-natureza. Um exemplo é Pureza, a única parceria dele com o conterrâneo e amigo Almir Sater: "Você que já brincou numa árvore, ali nos matos, sabe que o prazer de uma fruta é um doce fato, se ligue nas crianças que tem no homem a esperança, de saber a natureza coisa real, e que nunca nunca nos fez mal sempre ajudou, até quem só desprezou". Justamente o teor ecológico de suas canções que acabou levando Geraldo Espíndola para a França em dezembro de 2005. Ao ser convidado para fazer um despretensioso voz e violão para abrir uma palestra sobre desenvolvimento sustentável na Universidade Católica Dom Bosco, em Campo Grande, em 2003, Geraldo carimbou seu passaporte para a Europa sem saber. Na platéia estava o professor de economia da cultuada universidade Sorbonne, Léo Dayan. Diretor da ONG francesa Apreis, Dayan se encantou com Geraldo. Resultado, após dois anos de articulação, o ecologista cumpriu a promessa de levar o músico campo-grandense à Europa. Geraldo fez uma série de nove concertos na França: começando pela Ile d’Oléron, passando por Fouras, Ile de Ré, Tonnay-Boutonne, Jonzac, Saint-Georges-de-Didonne, Saint-Savinien e concluindo com dois shows em Paris, ambos no anfiteatro Richelieu, da Sorbonne. Para Dayan, “Geraldo é uma lenda da música de Mato Grosso do Sul e de toda a região Sudoeste do Brasil”.

As palavras de Dayan provavelmente passarão em branco no Brasil, afinal, a música sul-mato-grossense é desprezada e desconhecida na grande mídia, mas surtiram efeito em solo francês. A primeira viagem de Geraldo para a Europa vai virar o DVD Um Brasileiro na França, com imagens da apresentação do compositor na Sorbonne. A iniciativa partiu da própria universidade. "Pedi para desligar o som e toquei acústico e cantando sem microfone mesmo. Aquele lugar é mágico e passou muita coisa na minha cabeça", conta. A empolgação de Dayan em torno da obra de Geraldo e o apoio do Ministério da Cultura francês e da própria Sorbonne forçaram o músico a encarar a realidade da falta de incentivo para a cultura no país, ou no estado. Para viajar, acabou tendo de contar com a ajuda financeira de amigos para comprar uma única passagem, pois foi só ele e violão para a França. “Não tive apoio do governo nem estadual e nem federal. Vendi alguns boizinhos dos amigos para poder viajar”, relata sem constrangimento.

Com a experiência na França, Geraldo passa por um novo surto criativo. Relembrando tudo o que viu e as pessoas que conviveu, as últimas músicas do compositor estão saindo com letras em quatro línguas. “Estou misturando português, espanhol, francês e guarani. As canções estão bem bonitas”, anima-se o compositor de 54 anos. Além do DVD francês, pretende lançar o CD ao vivo Intimidade Acústica, em que o próprio Geraldo gravou pela primeira vez Vida Cigana. Mas o compositor prefere ficar longe de previsões e seguir, como gosta de dizer, o ritmo do rio. “Vivo todo dia como se fosse o último da minha vida. Não dá para ficar pensando no futuro”, finaliza.

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